terça-feira, 6 de outubro de 2009

Limpando restos


Quem já voltou para sua casa e a única tarefa a cumprir, inevitavelmente, era um recolhimento de restos? A morte e todos os rituais que a ela estão ligados são uma maneira simbólica de despedir-se. Uma convenção social onde existem determinadas etapas: choro compulsivo, escassez de lágrimas, o consolo de pessoas que mal conhecemos, a idolatria ao morto (com o morto morrem os defeitos). É na saudade que lembramos o que era bom.
Aqueles que já retornaram ao lar, ao cotidiano, precisando enfrentar uma perda, sabem como funciona. A "encenação" pública da dor e do sofrimento é uma parte da convenção. A dor que fere até nossa última gota de sangue é a volta, o retorno ao "viver": recolher roupas, bilhetes, a caneta com o nome, a escova de dentes, o chinelo na porta de entrada, a toalha molhada, a cadeira na sombra da árvore. Isso é dor: uma vontade de gritar, um não-saber-o-que-fazer.
Hoje eu limpei os restos. E chorei como se chora nessas horas: de verdade.

Deise

2 comentários:

  1. Eh assim que fazemos, varremos para debaixo do tapete os vestigios de nosso proprio assassinio.

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