A tortura e a lei da anistia
O Brasil é um país diferente. Aqui, os herdeiros nostálgicos da ditadura dão discursos em nome da democracia. E os torturadores podem dormir em paz com a sensação do dever cumprido. Bateram, sim, não negam. Se pudessem, bateriam de novo. Quem mandou não andar nos trilhos. Todo opositor pode ser reduzido a uma categoria hedionda e sem direito a direito: o vagabundo. Está tudo resolvido. Vagabundo pode ser espancado, enforcado, mergulhado em tonel de merda, tomar choque nos órgãos genitais e outras carícias que se tornaram especialidades dos bem-intencionados e zelosos militares de plantão.
O perdão pode ser bonito. Mas não cura todas as feridas. A hora do acerto de contas acaba por chegar. E O Brasil não poderia escapar disso. As tentativas de revisar (ou revogar) a lei da anistia, que tanto enfurecem os militares e a direita, vão continuar. Houve tortura. É inegável. A tortura nunca é defensável. Menos ainda quando atinge aqueles que apenas lutavam contra uma ditadura. Os militares podem alegar que enfrentaram um inimigo disposto a matar e a implantar outra ditadura, a comunista. Nem todos os torturados, porém, eram guerrilheiros, comunistas ou terroristas. A bibliografia sobre o regime militar de 1964 no Brasil é vasta.
O melhor livro sobre a construção do golpe, no entanto, continua sendo “1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe” (Vozes), tese de doutorado na Universidade de Glasgow (Inglaterra) do uruguaio René Armand Dreifuss, um intelectual formado em Ciência Política em Israel. O livro é um tijolo de 815 páginas abarrotado de documentos e de fontes. Revela como foi articulado o golpe. A conclusão do estudioso foi de uma simplicidade cristalina: “Com um programa de governo que emergira da direita do espectro político e social, os ativistas do IPES impuseram uma modernização da estrutura socioeconônomica e uma reformulação do aparelho de Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade em detrimento da massa” (p. 455). O IPES foi o principal organismo golpista.
Outro livro insuspeito é o do americano Thomas Skidmore, “Brasil: de Castelo a Tancredo” (Paz e Terra). O autor mostra o papel do gaúcho Médici na parte mais asquerosa do regime, aquela em que a tortura prevaleceu: “A repressão e a censura do governo eram a razão principal. Os estudantes, por exemplo, um dos principais focos da oposição em 1968, foram silenciados pela violenta intervenção nas universidades, que resultou em expulsões, prisões e torturas para muitos” (p. 215). Os empresários e parte da classe média deram-se bem e se lixaram para a tortura, salvo quando algum filho caiu na rede. Foi um dos períodos mais nojentos da história brasileira recente. A Rede Globo apoiou e beneficiou-se.
Na Argentina, um ditador será julgado pelos seus crimes. Por que o Brasil não descobre, uma vez na vida, qualidades nos “hermanos” e julga seus torturadores nem que seja para contar a história direito? Os defensores da ditadura são, em geral, contra os direitos humanos. Defendem, contudo, direitos humanos para torturadores. Eu não sustento a lei do olho por olho e dente por dente. Só para o Boris Casoy, que deveria ser condenado a varrer algumas ruas para não dizer asneiras sobre garis.
O perdão pode ser bonito. Mas não cura todas as feridas. A hora do acerto de contas acaba por chegar. E O Brasil não poderia escapar disso. As tentativas de revisar (ou revogar) a lei da anistia, que tanto enfurecem os militares e a direita, vão continuar. Houve tortura. É inegável. A tortura nunca é defensável. Menos ainda quando atinge aqueles que apenas lutavam contra uma ditadura. Os militares podem alegar que enfrentaram um inimigo disposto a matar e a implantar outra ditadura, a comunista. Nem todos os torturados, porém, eram guerrilheiros, comunistas ou terroristas. A bibliografia sobre o regime militar de 1964 no Brasil é vasta.
O melhor livro sobre a construção do golpe, no entanto, continua sendo “1964: a conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe” (Vozes), tese de doutorado na Universidade de Glasgow (Inglaterra) do uruguaio René Armand Dreifuss, um intelectual formado em Ciência Política em Israel. O livro é um tijolo de 815 páginas abarrotado de documentos e de fontes. Revela como foi articulado o golpe. A conclusão do estudioso foi de uma simplicidade cristalina: “Com um programa de governo que emergira da direita do espectro político e social, os ativistas do IPES impuseram uma modernização da estrutura socioeconônomica e uma reformulação do aparelho de Estado que beneficiou, de maneira ampla, as classes empresariais e os setores médios da sociedade em detrimento da massa” (p. 455). O IPES foi o principal organismo golpista.
Outro livro insuspeito é o do americano Thomas Skidmore, “Brasil: de Castelo a Tancredo” (Paz e Terra). O autor mostra o papel do gaúcho Médici na parte mais asquerosa do regime, aquela em que a tortura prevaleceu: “A repressão e a censura do governo eram a razão principal. Os estudantes, por exemplo, um dos principais focos da oposição em 1968, foram silenciados pela violenta intervenção nas universidades, que resultou em expulsões, prisões e torturas para muitos” (p. 215). Os empresários e parte da classe média deram-se bem e se lixaram para a tortura, salvo quando algum filho caiu na rede. Foi um dos períodos mais nojentos da história brasileira recente. A Rede Globo apoiou e beneficiou-se.
Na Argentina, um ditador será julgado pelos seus crimes. Por que o Brasil não descobre, uma vez na vida, qualidades nos “hermanos” e julga seus torturadores nem que seja para contar a história direito? Os defensores da ditadura são, em geral, contra os direitos humanos. Defendem, contudo, direitos humanos para torturadores. Eu não sustento a lei do olho por olho e dente por dente. Só para o Boris Casoy, que deveria ser condenado a varrer algumas ruas para não dizer asneiras sobre garis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário